sábado, 2 de abril de 2011

"Onde não se responde"

Ele lhe perguntou o que fazia com o que sentia por ela. “Guarda”, ela respondeu, com a simplicidade de quem sabe que estas coisas, quando simplesmente existem, não precisam de um alojamento, um lugar, um espaço definido.

Guarda, ela lhe disse, na esperança de que ele levasse seu conselho ao pé da letra, esperando ganhar tempo para encontrar o guardado mais tarde quando tudo fosse possível.

Guarda, assim, como quem não quer nada, como quem vai usar daqui um minuto, quando sair do banho, quando sair à rua, quando for dormir, quando amanhecer.

Guarda solto em cima da cômoda, à vista dos olhos, no meio de outras bugigangas e finge que ele nem toma tanto espaço. Ou guarda na primeira gaveta, embrulhado em um papel de seda (daqueles que envolvem a maçã de Caetano), no fundo, longe dos olhos, e mesmo que você não abra a gaveta saberá que está lá. Mas quando e se você abrir, o perfume que vier lá do fundo vai invadir o quarto, a casa, devolvendo ao coração aquele sentimento de pertencer.

Guarda, ela lhe disse, tentando lhe dizer tudo isso, mas pronunciou apenas “guarda”, como se uma única palavra pudesse produzir cenários perfeitos para guardar o que ele sentia por ela. Então, ele lhe perguntou “onde?” Depois de tudo que ela tinha lhe dito em uma palavra, que significava entrega, um sim, um “eu acredito”, ele lhe fazia uma nova pergunta.

Onde? E ela, sem querer saber de pedir, sem querer entender de sofrer, sem querer explicar que o que sentia por ele estava guardado, intenso, represado e inflamável, disse simplesmente: “se não tem espaço, joga fora”.

E nessa hora lembrou de Leminski:

Coração para cima – escrito em baixo: frágil
Claudia Letti

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